Em Mato Grosso do Sul, até novembro deste ano, 20.403 mulheres procuraram a polícia após serem agredidas. A Corte definiu que o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) deve arcar com o pagamento de um benefício às vítimas que precisarem se afastar do emprego por até seis meses para preservar sua integridade física ou psicológica, inclusive a de filhos e dependentes. O vínculo trabalhista deve ser mantido durante esse período. Nem toda violência doméstica gera, do ponto de vista médico, incapacidade para o trabalho. Uma agressão física leve ou episódios reiterados de violência psicológica podem não impedir formalmente o exercício da profissão, mas representam risco real à integridade física e mental da vítima. Sem essa decisão, esses casos ficavam numa espécie de limbo jurídico: graves o suficiente para exigir afastamento, mas “leves” demais para enquadramento automático em benefícios previdenciários tradicionais. A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, já previa que o juiz poderia determinar o afastamento da mulher do local de trabalho como medida protetiva, sem rompimento do contrato. O problema é que a legislação nunca deixou claro quem pagaria essa conta. A lei dizia o que deveria ser feito, mas não dizia como. Na prática, isso colocava a vítima diante de um dilema perverso: ou continuava exposta à violência para manter a renda, ou se afastava sem saber como pagar as contas. O STF entrou exatamente nesse vazio normativo. Ao julgar o tema, os ministros entenderam que a proteção prevista na lei só faz sentido se vier acompanhada de um mecanismo concreto de subsistência. A partir da decisão, a mulher não precisará pedir diretamente o benefício ao INSS. Caberá ao juiz estadual, ao conceder medidas protetivas com base na Lei Maria da Penha, avaliar se o afastamento do trabalho é necessário. Confirmada essa necessidade, o benefício será concedido por até seis meses. A natureza do pagamento dependerá da situação da vítima: se a mulher for segurada do INSS e houver incapacidade laboral decorrente da agressão, poderá receber benefício previdenciário, como auxílio por incapacidade temporária ou aposentadoria por incapacidade permanente, conforme o caso; se não houver incapacidade laboral, mas o afastamento for necessário para proteção, o benefício ainda assim será devido; se a vítima não for segurada ou estiver fora das contribuições e não tiver meios de prover a própria subsistência, o juiz poderá determinar o pagamento de benefício assistencial. Na prática, o STF criou uma ponte entre a proteção judicial e a proteção social, algo que a legislação previdenciária e assistencial nunca previu de forma explícita. O Supremo optou por resolver o problema com uma interpretação que, na prática, cria uma nova forma de proteção social. Retroativa A decisão também abre espaço para ações regressivas do INSS contra os agressores. Em tese, a autarquia poderá cobrar dos responsáveis os valores pagos às vítimas, ainda que isso deva ocorrer de forma pontual e mais pedagógica do que massiva, diante das limitações operacionais do órgão. Empregadores também sentirão o impacto. O contrato de trabalho poderá ficar suspenso por até seis meses, sem que a empresa arque com o salário nesse período, mas com a obrigação de manter o vínculo.