Padre Julio, são todos uns perra ra’ykuéra
Somente a maldade para justificar uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres
“A injustiça é a raiz perversa da pobreza. O grito dos pobres torna-se mais forte de dia para dia, mas de dia para dia é menos ouvido, porque abafado pelo barulho de poucos ricos, que são sempre menos e sempre mais ricos” - Papa Francisco
Enquanto o governo federal anuncia 1 bilhão de reais para o Plano “Ruas Visíveis - pelo direito ao futuro da população em situação de rua”, uma iniciativa que mobilizou onze ministérios e que nasceu como resultado de diálogo com a sociedade civil organizada, representantes dos três poderes, setor empresarial e universidades, os representantes da extrema-direita paulistana, mesmo eleitos pelo voto, mostraram não ter apreço pela democracia, pela igualdade, pela justiça e pela generosidade e aprovaram uma CPI para investigar o Padre Júlio Lancellotti.
Esse é o ponto de partida da reflexão que proponho.
Os edis perra ra’ykuéra votaram pela abertura de uma CPI para investigar o que?
Será que eles não sabem que a opção preferencial pelos pobres é uma das marcas mais singulares da Igreja católica latino-americana? Será que não sabem que tal característica foi cunhada a partir do Concílio Vaticano II, tendo seu ápice nas Conferências de nosso Episcopado em Medellín, e que essa opção encontrou eco novamente no pontificado de Francisco, que tem se revelado sensível às questões sociais?
Sabem sim, mas são maus; somente a maldade para justificar uma CPI contra um sacerdote que trabalha com os pobres.
São todos ridículos, tanto os que votaram, quanto os que apoiam a medida e devem ir para o inferno, em existindo inferno; em tupi-guarani diriam: opavave há’ekuéra há’e perra ra’y.
O Padre Júlio Lancellotti não é político, não é candidato, ele é Vigário Episcopal da Arquidiocese de São Paulo “para o Povo da Rua", como o descreveu a arquidiocese em nota.
Padre Júlio é uma brisa de humanidade, exemplo e inspiração, além de exercer o importante trabalho de coordenação, articulação e animação dos vários serviços pastorais voltados ao atendimento, acolhida e cuidado das pessoas em situação de rua na cidade de São Paulo.
A maldade que os vereadores da capital paulista praticaram decorre desse tempo em que o mal é banalizado e a estupidez vicejante é aplaudida nas redes sociais.
Ao relembrar o conceito de “opção preferencial pelos pobres”, é importante ter em mente que trata-se de conceito teológico, que busca produzir efeitos práticos na vida da Igreja e em diferentes campos da vida do ser humano, tal como indicou o Concilio Vaticano II, isso mesmo, o concilio buscou dar efetividade ao conceito, por isso valorizou o diálogo inter-religioso e ecumênico, modificou a liturgia para torná-la mais acessível ao povo, enfatizou a corresponsabilidade entre a hierarquia da Igreja e os leigos, criou o conceito de “Povo de Deus” e proclamou a necessidade de mudanças nas estruturas de um sistema gerador de injustiças sociais. O Padre Júlio é operário dessa igreja, da igreja que acredito, do cristianismo que amo e abraço todos os dias. Fato é que o nosso tempo é caracterizado por relevantes mudanças e progressos em inúmeros campos, com consequências importantes para a vida dos homens. No entanto, mesmo sendo capaz de reduzir a pobreza, as mudanças e avanço tecnológico estão a serviço da construção de uma economia de exclusão e desigualdade, pois, "Hoje, tudo entra no jogo da competitividade e da lei do mais forte, onde o poderoso engole o mais fraco", conforme Exortação apostólica Evangelli gaudium, n. 53 do Papa Francisco).
Nesse contexto o Padre Júlio ilumina o verdadeiro cristianismo e, ao oferecer uma refeição aos pobres, coloca no nosso colo a realidade, ele nos obriga a despertar.
Despertar para a única realidade válida: o amor vital está contido na solidariedade, na partilha, na caridade e nas nossas ações; esse amor é Deus, se expressa na sobriedade, na busca da justiça social e na alegria do essencial, para guardar dos ídolos materiais que ofuscam o sentido autêntico da vida.
Como escreveu Francisco: “Não serve uma pobreza teórica, mas sim a pobreza que se aprende tocando a carne de Cristo pobre, nos humildes, nos pobres, nos doentes, nas crianças”, e nos chama a sermos “para a Igreja e para o mundo, os postos avançados da atenção a todos os pobres e a todas as misérias, materiais, morais e espirituais, como superação de todo egoísmo na lógica do Evangelho que ensina a confiar na Providência de Deus”.Aos vereadores, os quais já adjetivei, lembro que “Nada, em toda a criação, está oculto aos olhos de Deus e exposto diante dos olhos daquele a quem havemos de prestar contas” (Hebreus, 4:13), que “Os olhos do Senhor estão em toda parte, observando atentamente os maus e os bons” (Provérbios 15:3) e que “...os olhos do Senhor estão sobre os justos os seus ouvidos estão atentos à sua oração, mas o rosto do Senhor volta-se contra os que praticam o mal” (Pedro 3:12).
E ao Padre Júlio, além de agradecê-lo por manter viva minha fé na Igreja, me coloco como voluntário para qualquer obra ou tarefa necessária que envolva o povo de rua.