Do 8 de Março ao sufrágio feminino: o papel da mobilização nas lutas e conquistas das mulheres
"Nós mulheres precisamos nos unir e nos mobilizar, e colocar na prática aquele que é um dos lemas do movimento feminista de hoje: uma sobe e puxa a outra"
O ano era 1908 e, em Nova Iorque, centenas de mulheres ardiam em chamas dentro da indústria têxtil Triangle Shirtwaist Company quando lutavam por direitos e condições melhores de trabalho. Elas trabalhavam de 10 a 14 horas diárias para uma remuneração de U$6 a U$10 por semana. A tragédia, ou o crime propriamente dito, abriu precedentes para que as mulheres fossem vistas como parte integrante das sociedades como um todo.
E trazendo para a realidade brasileira, a luta e morte dessas mulheres norte americanas trouxe um fator importante para as brasileiras, a luta pelo direito ao voto que, automaticamente, levaria à conquista de novos direitos. Porém, o Brasil era um país recém saído de uma monarquia e pensar direitos às mulheres naquele momento seria algo praticamente inviável, mas não impossível e foi assim que a luta de algumas das nossas começou e pasmem, não foi pelo Sudeste.
O Rio Grande do Norte foi o pioneiro pelo voto feminino, no ano de 1921, através do então governador, Antônio Melo e Sousa, que comprou a ideia e autorizou o voto feminino no Estado, abrindo precedentes e favorecendo a pressão nacional. Na época só haviam homens governadores, deputados, vereadores, juízes. A legislação dizia que "cidadãos poderiam votar" e cabia aos juízes locais definirem se mulheres eram cidadãs ou não. Vocês não leram errado, era exatamente assim que funcionava.
Já no ano de 1922, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, fundada pela ativista Bertha Lutz, começou a bater de porta em porta nos gabinetes, graças ao relacionamento das chamadas sufragistas, que em sua maioria, eram mulheres brancas de classe alta. O objetivo delas era implementar um adendo à Constituição que declarava as mulheres como cidadãs. Bertha chegou a negociar com o simpatizante pela causa, Juvenal Lamartine, em Natal. Mas ao pegar o avião de São Paulo até lá, Bertha não perdeu a oportunidade e foi jogando panfletos pró-voto feminino, durante boa parte das 15 horas de voo.
Em 1926, o então governador do Rio Grande do Norte, Juvenal Lamartine, mais uma vez dá um passo à frente e sugere uma alteração na Constituição Estadual, adicionando o termo "sem destinção de sexo" ao texto que versava sobre o voto no Estado. Com a confusão da lei estadual ser diferente da lei federal, os senadores resolveram votar o assunto, mas entenderam que “não era uma pauta urgente e oportuna”. Realmente, para homens brancos que governaram desde sempre, não era nem um pouco urgente, muito menos oportuna a votação sobre o sufrágio feminino. As 12 primeiras mulheres que se cadastraram para votar naquele ano fizeram uma foto histórica, imprimiram diversas vezes e distribuíram nos estados e para deputados, como parte do processo de divulgação desta medida e de convocação para que outras mulheres fizessem o mesmo. No ano de 1928, as mulheres votaram pela primeira vez no Rio Grande do Norte.
Depois de mais uma década de luta e, em fevereiro de 1932, o então chefe do Governo Provisório, Getúlio Vargas, instituiu o voto feminino no primeiro código eleitoral do Brasil. Apesar de ter sido feito em um contexto autoritário, foi resultado de muita discussão e mobilização social e política. A Federação conseguiu agendar uma reunião com o presidente porque uma das integrantes era prima da secretária de Getúlio Vargas e conseguiu a agenda com o Presidente da República. Daí a importância de se ter bons contatos (e cara de pau para pedir as coisas) para qualquer tipo de mobilização.
No entanto, nessa conversa, a princípio, ficou definido que apenas “as mulheres com nível universitário, viúvas e solteiras, que tivessem renda própria” poderiam votar, o chamado “voto qualificado”. Além disso, as mulheres casadas deveriam votar sob autorização dos maridos, situação que não foi aceita pela Federação, uma vez que, naquela época, somente 40% das mulheres brancas eram alfabetizadas e 14% das mulheres negras. Quando se fala em ensino superior, esses números caem mais ainda, por ser uma época que as mulheres não tinham o direito ao estudo.
De lá para cá, surgiram vários nomes de mulheres emblemáticas como Carlota Pereira, primeira mulher brasileira a ser eleita deputada federal pelo estado de São Paulo, dois anos após o anúncio do sufrágio feminino. Na esteira dela vieram tantas outras como Antonieta de Barros, primeira mulher negra eleita, deputada estadual em Santa Catarina e, em 2023, foi conferido o título de Heroína da Pátria a ela.
Em 2010, o Brasil elegeu sua primeira presidente em sua história, com mais de 47 milhões de votos, substituindo o presidente Lula à época. Em seu discurso de posse, ela lembrou que era a primeira e veio “para abrir portas para que muitas outras mulheres possam também no futuro ser presidentas".
Ainda temos muito que avançar na questão da representação feminina nos espaços de poder. Nós mulheres precisamos nos unir e nos mobilizar, e colocar na prática aquele que é um dos lemas do movimento feminista de hoje: uma sobe e puxa a outra. Mas sem dúvida temos muito que aprender com as que vieram antes de nós. Por nós. E pelas que virão.
*Luka Borges, com formação em Administração com ênfase em Marketing e mestrado em Comunicação e Tecnologia, é especialista em Mobilização Digital e Construção de Comunidades. É Sócia e Coordenadora de Mobilização Digital na Baselab, onde atende diversos clientes da política e do terceiro setor. Durante as eleições presidenciais de 2022, liderou estratégias para WhatsApp, grupos e combate a notícias falsas na campanha de diálogos com evangélicos do presidente Lula. Foi fundadora do projeto "Não é Não", que chegou a arrecadar meio milhão de reais e mobilizou ações do projeto em 16 estados do Brasil. Também possui experiências na captação de recursos, a partir do trabalho na plataforma Benfeitoria que incluiu também a formação de comunidades de apoiadores e ministrou formações sobre financiamento coletivo.