Não é só tereré: startup põe erva-mate em novos produtos para resgatar cultivo
Tão marcada na história que aparece no brasão do Estado, a erva-mate, afamada pelo tradicional tereré, também é vista como protagonista para tempos futuros. Neste cenário, surge com novas roupagens: farinha moída ultrafina, chá mate moído e extrato líquido (que pode ser destinado da indústria de bebidas à farmacológica). A tríade de produtos nos direciona a startup, idealizada em programa de mestrado da UEMS (Universidade de Mato Grosso do Sul), que terá financiamento de R$ 80 mil para colocar, ainda que em pequena escala, as novidades no mercado. Fazendo jus à tradução de startup, que é “começar algo novo”, a intenção é mostrar a viabilidade e atrair interessados que possam replicar a produção em maior volume. “Vamos testando para ver se os produtos terão aceitação. É mudar um pouco os hábitos das pessoas, a percepção da maioria ainda é da erva-mate no tereré, chimarrão. Com a startup, você se posiciona no mercado, é visto por grandes empresas”, afirma o professor Moisés Centenaro, que leciona na UEMS e é participante do projeto “Extrato de erva-mate: Uma solução criativa e inovativa”, idealizado no programa de mestrado “Desenvolvimento Regional e Sistemas Produtivos”. Primeiro item da lista, a farinha de erva-mate moída ultrafina pode ser adicionada em qualquer alimento preparado com farináceos, como farinha de trigo e amido de milho. Ou seja, pode chegar ao preparo das tradicionalíssimas chipa e sopa paraguaia. O produto poderá ser usado na mistura de pães, bolachas bolos, sorvetes, sucos, doces e massas em geral. “A farinha de erva-mate vem sendo usada como produto alimentício no Rio Grande do Sul, na merenda escolar. Tem pesquisas mostrando mais de 190 princípios ativos, muito importante para a nutrição. No Paraná, está em fase de aprovação para ser adicionada também na merenda escolar”, salienta o professor. Já o chá será na versão em pó, como o café, e poderá ser preparado em máquinas. O terceiro produto é o extrato líquido extraído da folha. “Temos engenheiro de alimentos na composição dessa equipe para entender se consegue manter os nutrientes. Pode ser comercializado para bares, restaurantes, adicionado a coquetéis ou direcionados para indústria farmacológica”, afirma o pesquisador. Do total de R$ 80 mil, R$ 60 mil são financiados pela Fundect (Fundação de Amparo ao Desenvolvimento ao Ensino, Ciência e Tecnologia de Mato Grosso do Sul), ligada ao governo do Estado. O restante será obtido por meio de bolsas. Os recursos vão custear equipamentos, matéria-prima, capital de giro e software de gestão empresarial. “A ideia é colocar os produtos no mercado local. Tentaríamos diálogo com o município de Amambai e, depois, tentar ações mais robustas com o governo do Estado. Mas são produtos que chamam a atenção, fácil de vender”, diz Centenaro. No cálculo, pesa a ligação afetiva com a erva-mate, posto que traz as lembranças de antepassados que foram ervateiros, lembrando que o cultivo marcou a economia de MS a partir de uma gigante, a Companhia Matte Larangeira, que perdurou até a década de 40. Mistério e história - Novos usos também buscam aumentar a produção da erva-mate no Estado, num resgate da plantação que foi fundamental para o surgimento de várias cidades. Atualmente, MS importa quase 100% do que consome. Mas o cultivo pode voltar com a agricultura familiar, inclusive como fonte de renda em aldeias. Nessa longa história, há também uma curiosidade: não se sabe o porquê, mas a erva-mate escolheu se desenvolver em pontos geográficos muito específicos, o que favorece Mato Grosso do Sul. “É um mistério que não se consegue entender. Levaram a erva-mate para a China, Rondônia, Mato Grosso e não tem jeito de se adaptar. Ela é nativa dessa região de fronteira, além de Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Também tem um pouco no Paraguai e na Argentina”, conta o professor. Ele mesmo já viu esforços frustrados quando tentou expandir o cultivo para Miranda, Camapuã, Água Clara. O professor lembra que a abertura da Rota Bioceânica pode levar a produção para o Chile e Argentina, grandes consumidores de erva-mate. Outro ponto a favor de que MS retome o cultivo é a sustentabilidade. A erva-mate pode ser utilizada na recomposição de florestas para reserva legal e área de preservação permanente. “Se não houvesse a exploração de erva-mate, muitas cidades não existiriam: Amambai, Aral Moreira, Tacuru, Iguatemi. Eram desertos, o cultivo trouxe pessoas para morar, trabalhar”, diz o pesquisador. Porto Murtinho é outro expoente da força da erva-mate. O município é derivado de um porto aberto para escoar a produção da Companhia Matte Larangeira pelo Rio Paraguai. Depois, o escoamento foi deslocado para a Fazenda Campanário, em Ponta Porã. Em 1941, a fazenda foi matéria da revista O Cruzeiro, num texto intitulado “Campanário – Uma Cidade na Selva”. De acordo com Moisés Centenaro, a fazenda até foi cogitada como capital do Mato Grosso, diante da grandeza econômica. “Tinha muito emprego, girava o dinheiro”. Contudo, o modelo de produção se assemelhava a condições análogas à escravidão.