Vereador gaúcho que fez discurso contra baianos é expulso pelo partido
Fala foi feita ao falar de trabalhadores mantidos em situação similar à escravidão
O vereador Sandro Fantinel, de Caxias do Sul (RS), foi expulso do Patriota nesta quarta-feira (1º), depois de um discurso em que questionou a repercussão do caso de trabalhadores em situação de escravidão em vinícolas gaúchas. Na fala, ele fez comentários ofensivos e preconceituosos contra os trabalhadores baianos.
O partido classificou o discurso de Fantinel como "desrespeitoso e inaceitável" e disse que o tom foi maculado por "grave desrespeito a direitos constitucionalmente assegurados", como a dignidade humana.
Fantinel falou na tribuna da Câmara de Vereadores de Caxias do Sul para pedir que os produtores da região não contratem mais "aquela gente lá de cima", em referência à Bahia - a maior parte dos 207 trabalhadores resgatados nas vinícolas era da Bahia.
O vereador sugere que os produtores dêem preferência a empregados da Argentina, afirmando que esse são "limpos, trabalhadores e corretos".
O vereador não foi encontrado para comentar a expulsão do partido. Para a RBS TV, na manhã desta quarta, ele afirmou que sua intenção foi advertir os produtores a terem "um certo cuidado". "Porque existem alguns grupos que estão dando golpes usando a questão da analogia à escravidão", disse. Ele tentou justificar suas palavras. "Quando a gente está no calor da fala, (...) a gente diz palavras que não é o que a gente quer dizer, que não representa a gente. A única coisa que eu disse dos baianos é que eles gostam só de tocar tambor e ficar na praia, né. Se a gente fosse ter essa conversa em um outro momento, a pessoa iria dizer: 'ah, é verdade. É a cultura deles, não tem nada de mau'. O problema é que entrou em um contexto que foi interpretado como forma de falar mal deles", afirmou.
Fala preconceituosa
Na fala, Sandro Fantinel culpa os empregados pelas condições em que foram encontrados. "Um agricultor me ligou e pediu para eu ver um alojamento onde ficam os trabalhadores temporários e não dava para entrar do fedor de urina, da imundície que eles deixaram em uma semana. E a culpa é de quem? O patrão vai ter que pagar o empregado para fazer limpeza para os bonitos? Temos que botar eles em um hotel cinco estrelas para não termos problema com o Ministério do Trabalho?", questionou, antes de citar os baianos.
Em seguida, se dirigindo às empresas agrícolas e aos agricultores do Rio Grande do Sul, ele diz: "Não contratem mais aquela gente lá de cima. Contratem argentinos. São limpos, trabalhadores, corretos e quando vão embora ainda agradecem pelo trabalho".
Em sessão gravada, o vereador continua: "Nunca tivemos problema com um grupo de argentinos. Agora com os baianos, que a única cultura que eles têm é viver na praia tocando tambor, era normal que se fosse ter esse tipo de problema. E que isso sirva de lição. Que vocês deixem de lado esse povo que está acostumado com Carnaval e festa", continua.
Por fim, Fantinel questiona a condição de escravidão que foi denunciada, mencionando que alguns dos trabalhadores que estavam no local não queriam deixar o lugar.
"Se estava tão ruim a escravidão, porque eles não quiseram deixar a empresa? Vamos abrir o olho quando eles falam em 'trabalho análogo a escravidão", finaliza. Dos 207 resgatados, 198 são da Bahia. Desses, 194 retornaram e quatro preferiram ficar no Rio Grande do Sul.
Boletim de ocorrência
Horas depois da sessão, o deputado estadual do RS Leonardo Radde (PT) publicou nas redes sociais que registrou um novo boletim de ocorrência contra a fala do vereador. "O Rio Grande do Sul e o Brasil não são lugares para racistas, escravocratas!", disse.
Fuga e resgate
O que três trabalhadores relataram aos agentes da Policia Rodoviária Federal (PRF) de Bento Gonçalves, cidade situada na Região Serrana do Rio Grande do Sul, levou à descoberta de um galpão com cerca de 240 trabalhadores em condições análogas à escravidão, segundo o Ministério Público do Trabalho. Grande parte das vítimas veio da Bahia. Eles foram resgatados no município vizinho de Caxias do Sul - polo produtor de uvas e vinhos finos das serras gaúchas.
Ao divulgar o caso na sexta-feira (24), a PRF não revelou as identidades das vítimas. Após o resgate, os trabalhadores contaram aos policiais que foram contratados para trabalhar em vinícolas, colhendo uvas em Caxias do Sul. Foi garantido ao grupo salário de R$ 3 mil, acomodação e alimentação. Na chegada, contudo, encontraram condições desumanas.
De acordo com os relatos, os trabalhadores foram colocados em um alojamento em condições precárias, mal iluminado e com ventilação escassa. Durante as refeições, recebiam alimentação estragada. Os salários era pagos com atraso, e as vítimas contaram que eram coagidas a permanecer no local, sob pena de pagamento de multa por quebra do contrato de trabalho. Uma arma de choque e um spray de pimenta foram apreendidos no alojamento.
Havia ainda longas jornadas de serviço e também castigos físicos, narraram as vítimas. A PRF divulgou um vídeo nas redes sociais do momento em que os trabalhadores foram resgatados.